segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Recapitulações - o quadro X: o palco do gesto I


Bertolt Brecht.
1. Na abordagem do teatro épico, a consideração do estatuto do palco – que na pintura é a face horizontal inferior do cubo cenográfico (aquela que na Vanitas de P. Champaigne era representada pela mesa de mármore que emergia do fundo escuro e insondável: ver aqui no blog «Recapitulações – o quadro V: a figurabilidade do informe») - levanta questões decisivas. Elas são aqui ligadas, em primeiro lugar e de uma forma global, com a estética da experiência de Walter Benjamin, cuja perspectiva acerca dos fenómenos da rádio e do cinema, integra o mesmo princípio (ver aqui no blogue Fragmentos de leitura 2 - Walter Benjamin e a teoria do choque). São artes em que o princípio da descontinuidade opera, na medida em que formadas por sucessões de planos relativamente autónomos, de «quadros»:

«As formas do teatro épico correspondem às novas formas técnicas, ao cinema e à rádio. Ele está ao nível do desenvolvimento da técnica da sua época. Se o cinema se impôs o princípio segundo o qual o público deveria constantemente a possibilidade de se «pôr a andar», segundo o qual os dados complicados seriam de evitar, e cada sequência além do seu valor de conjunto, deveria ter também um valor próprio, episódico, se em relação à rádio, o ouvinte pode, em qualquer momento, e conforme lhe apetecer, mudar de emissão ou apagar o aparelho, a adaptação do teatro à técnica é uma necessidade absoluta. Foi esta adaptação à técnica que o teatro épico conquistou para o palco.» (BENJAMIN, Walter, «O que é o Teatro Épico?», AA VV, Teatro e Vanguarda, trad. de Luiz Cary e Joaquim Moura Ramos, Lisboa, Presença, 1970, p. 44)

O que supõe que o desenvolvimento da técnica induz, de uma forma geral, a fragmentação do conjunto da intriga, nos relatos de uma experiência que é já de si, ela própria díspar e dividida, por forças e em estados de coisas distintos:

«por exemplo, não são as grandes decisões históricas, que afinal pertencem ao domínio das coisas esperadas, que devem sublinhar-se, mas sim o que na sua trivialidade é incomensurável, particular [...]; em vez de fazer irromper do exterior situações que são nossas, Brecht faz com que elas se critiquem dialecticamente, consegue que os seus diferentes elementos actuem uns contra os outros. [...] Um homem é um homem; isto não significa fidelidade ao seu próprio ser, mas disponibilidade e abertura para a transformação de si próprio» (BENJAMIN, Walter, op. cit., pp. 46-48).

Essa temporalidade histórico-ontológica (isto é, referida ao «ser» do homem, num «tempo» que não é, aqui, já o do desenvolvimento teleológico ou organicista, o tempo previamente orientado por um condicionamento originário ou matricial, o tempo compreendido pelo princípio da manifestação da presença plena, posto que esse seria um tempo «teológico» da «revelação» de um ser produzido pela Criação, segundo um destino previamente imposto, tal como o tempo escatológico cristão; isto já se viu, em parte, a propósito da imagem dialéctica, nas notas de reflexão teórica, no Livro das Passagens) é acentuada por Walter Benjamin – quanto ao teatro épico, ao citar–nos os Escritos de Teatro do próprio Brecht – como condição de transformação e não de submissão a um destino:

«Que possa ser transformado pelo meio em que vive, que inversamente possa transformar o meio – que tenha domínio sobre ele – tudo isto provoca alegria; o que já não acontece quando se considera o homem como algo de mecânico, de utilizável, como um ser de pés e mãos atados, o que, devido a determinadas condições sociais, ainda hoje acontece. A surpresa que é preciso introduzir na fórmula aristotélica do efeito da tragédia [que se refere, por um lado à catharsis; por outro lado, segundo um autor como Paul Ricoeur, à inteligibilidade dos possíveis da acção – cf. Mimésis] tem de ser considerada como uma capacidade, e pode ser compreendida» (BRECHT, Bertolt, Escritos sobre Teatro, cit. in, BENJAMIN, Walter, «O que é o Teatro Épico?», AA VV, Teatro e Vanguarda, op. cit., pp. 52-53).

2. O fundo «materialista dialéctico» e a moldura filosófica das premissas desta posição simultaneamente dialéctica e didáctica (uma vez que se trata de trazer ao espectador o tipo de contradições que atravessam a sua própria existência social), implicam uma série de transformações: 1. Quanto à função do texto dramático, em relação à representação, passando ele a constituir apenas um sistema de coordenadas; 2. Quanto à representação, que deixa de ter o texto escrito como fundamento (ou como uma espécie de Sagrada Escritura); 3. Quanto aos actores, que tomam posição em relação às teses do encenador; 4. Quanto ao encenador, que deixa de estar numa posição exclusiva de comando, com vista à obtenção de um efeito, e passa a encarar o actor como um trabalhador que inventaria o papel que desempenha.

A começar pelo palco que, posto como problema é, no texto de Walter Benjamin a formulação de uma questão histórica e de uma questão social e política, para além de, como se começará a perceber, uma questão semiológica. O palco representaria hoje, se deixado tal como herdado – no que restaria dessa memória da «origem sagrada do teatro», conforme veremos de seguida – uma dissociação posicional, uma dissimetria hierárquica marcada por uma fronteira e um desnível inaceitáveis, que seria de inspiração metafísica e teológica, entre o autor e a peça, entre a cena e o público, entre o encenador e os actores, entre o texto dramático e o texto cénico (a propósito desta nomenclatura cf. a proposta de MATEUS, Osório, Escritos de Teatro, Lisboa, Bertrand, 1977, pp. 21-24). É precisamente pela consideração do seu estatuto e da sua função que o texto de Walter Benjamin começa:

«A problemática do teatro define-se hoje mais em relação ao palco do que própriamente em relação à peça. A primeira coisa a fazer é enterrar a orquestra, abismo que separa os actores do público como os mortos dos vivos, cujo silêncio fortalece o carácter sublime do espectáculo dramático cujos acordes aumentam a embriaguez causada pelo espectáculo lírico; esse abismo que de entre todos os elementos do palco é o mais profundamente marcado pela sua origem sagrada, já não tem hoje razão de ser. O palco é ainda elevado, mas já não surge das profundezas insondáveis; é apenas um estrado, um «podium». A nossa situação é a de nos adaptarmos a esse «podium»» (BENJAMIN, Walter, «O que é o Teatro Épico?», op. cit., p. 37).

3. Ora, em primeiro lugar, porquê «o palco» e não a «peça»? A resposta seria relativamente breve e aparentemente simples: primeiro porque o elemento central do teatro épico há-de ser «o gesto» e não a palavra «em si mesma» – que ele encararia e despromoveria, como uma «palavra ensimesmada», isto é, oriunda de uma Voz sagrada ou sacralizada, que emergiria das «profundezas insondáveis»: «se no teatro tradicional o actor enquanto «comediante» se avizinhava da figura do padre, no teatro épico ele coloca-se do lado do filósofo» (BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 51). Depois porque é o próprio palco que é o lugar do teatro. Comecemos então por notar a sugestão desse duplo movimento, que acabámos de ver sugerido no início do texto de Walter Benjamin: o de enterrar a orquestra e, mantendo o palco elevado – na sua, agora, posição de mero «podium» - arrancá-lo à memória da sua proveniência, subtraí-lo à profundidade «insondável» de onde ele outrora emergira, para o deixar aparecer nessa sua nova qualidade de mero «pódium», sem nenhuma interposição. O que ele significa é a absorção do espaço teatral (recordemos que o teatro é, etimologicamente, o lugar de onde se vê) no espaço cénico (a que o palco se abre):


«O palco naturalista, embora sendo um «podium», é totalmente ilusionista; não pode fecundar a sua própria consciência de ser teatro; como qualquer cena dinâmica, deve, para poder realizar-se sem alterar a sua missão, recalcar esta consciência que é a de poder reproduzir o real. Contrariamente, o teatro épico tem uma consciência permanentemente viva e produtiva de que é teatro. [...] Não é com familiaridade que [o espectador] os reconhece [aos estados de coisas, que não são já o «milieu» naturalista], o que acontecia no teatro naturalista, mas com estranheza, e é assim que os estados de coisa surgem como algo de profundo. (BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 41)

Quer dizer: o confronto com a estranheza do estado de coisas tem já lugar no próprio palco, e não apenas entre ele e a assistência. Ele é lugar de uma «visão», não de um «reconhecimento», se quiséssemos aqui recordar os termos do Formalismo Russo. E de uma «estranheza», suscitada no seu interior pelo confronto com o insuspeitado de uma socialidade inconsciente que aí emerge do quadro, da interrupção do desenrolar da acção e do discurso, isto é, do lugar da produção do gesto. É um duplo movimento, transformador do seu valor, o que implica também, que seja transformador da sua significação: no espaço, porque ele desliga o palco da sua anterior conotação sagrada («sagrado» significa «separado»), como espaço proveniente de outro mundo, e no tempo, porque se trata, com ele, também de enterrar o que dessas suas origens assolaria ainda a sua memória, com a presença interposta da orquestra. O que com ele se anula é um princípio de um certo teatro, segundo o qual, o palco é o lugar de uma doação unilateral (e primordial) de um Sentido definitivo (da História, etc). Ora, viu-se já que o que se expõe, na dialéctica dos estados de coisas (e dos gestos) é o seu carácter contraditório. Essa questão de fundo afecta a escrita que deve servir o «podium». Ela há-de ser uma escrita descontínua, interrompida, lacunar, segmental, problematizada e problematizante, em que o desenvolvimento global é preterido, atrasado ou diferido. No ensaio de Walter Benjamin, essa questão da escrita, a da escrita «em questão», é formulada logo a seguir e prende-se com a já anunciada necessidade de «nos adaptarmos ao podium». Trata-se de saber se:

«Haverá uma escrita teatral para o «podium» (dado que o palco se transformou em «podium») ou, como diz Brecht, um teatro para os editores? Que características deverá ter um texto que se proponha servir o «podium»?» (BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 38)

Ora, Walter Benjamin estava absolutamente ciente de quanto a forma de encarar o estatuto desse elemento central do teatro – o palco – envolvia a necessidade de uma definição de posição político-ideológica e de elaboração teórica de um ponto de vista que, acerca do teatro, apenas poderia ser «materialista», se quisesse adaptar-se ao desenvolvimento da técnica e pensar-se como transformador:

«O «teatro actual» parece ter encontrado nas peças de teses políticas a única maneira possível de o servir. Mas quaisquer que fossem as formas de funcionamento desse teatro político no plano social, ele não fez mais do que introduzir as massas proletárias nas mesmas posições das massas burguesas. [...] E na medida em que este teatro [épico] pode dedicar-se inteiramente à organização do novo palco, possui toda a liberdade face ao texto» (BENJAMIN, Walter, op. cit., pp. 38-39).

Como nota Walter Benjamin, deixando o palco de ser isolado – teologicamente desligado, pela sua origem sagrada, do lugar dos espectadores – ele deixa também de ser lugar de fascinação e de imunidade, de poder de doação unilateral de sentido, de capacidade de estabelecer a lei ou de consagração arbitrária e descricionária, de orquestração «discursiva», em suma, do que no seu «podium» se expõe, de secundarização do trabalho de representação, o «trabalho do papel inventariado pelo actor». Com efeito, essa inventariação do papel supõe uma apropriação, propiciada pelo novo estatuto do palco, enquanto lugar em que se expõe problemas. E essa sua modificação de estatuto arrasta consigo, com efeito – no teatro épico, que «pode dedicar-se inteiramente à organização do novo palco» (como diz Benjamin e acima se lê) – uma série de consequências:

«Para o público do teatro épico, o palco não se apresenta já como as «tábuas que dão sentido ao mundo» (portanto como um lugar de fascinação) mas sim como um lugar concebido com o fim de expor problemas. Para o palco, o público já não é uma massa de indivíduos hipnotizados, mas uma assembleia de pessoas interessadas, cujas exigências ele deve satisfazer. Para o texto, a representação não significa já o virtuosismo da interpretação, mas domínio rigoroso. Para a representação, o texto já não é um fundamento mas sim um sistema de coordenadas, no qual se inscreverão como novas aquisições, os resultados obtidos ao longo do ensaio. Aos actores, o encenador não dá já indicações tendentes a obter um efeito determinado, mas teses que implicam, por parte daqueles, uma tomada de posição. Para o encenador, o actor não é já um «comediante» cuja função é a de assumir um determinado papel que desempenha.» (BENJAMIN, Walter, op. cit., pp. 38-39).


4. Ora, a questão central que atravessa o texto de Walter Benjamin parece-nos ser esta: «que características deverá ter um texto que se proponha servir o «podium»? O mesmo é dizer: «que escrita serviria este palco?» Ou ainda: «que liberdade face ao texto este palco supõe?» Em primeiro lugar, se «o texto» deixa de ser o fundamento, para ser apenas um «sistema de coordenadas», isso significa que «o material» do teatro épico - isto é, aquele elemento do qual mais nenhum é independente, em relação ao qual nenhum dos restantes pode figurar como prioritário, prévio e exterior - deixa de ser secundarizado ou previamente condicionado pela exclusividade do «texto verbal». Ele é de outra ordem - translinguística, como veremos - que não exclusivamente «discursiva» e verbal, mesmo se, como assinala Osório Mateus, continua a ser «textual», pois o textual não se reduz, nem ao tipograficamente fixado, nem ao verbalmente prescrito. Qual é, então o seu «material»? É, antes de mais, o gesto.


«O teatro épico é «gestual». [...] O gesto é o material do teatro épico; a sua missão é a adequada utilização deste material. Face às declarações e afirmações profundamente enganadoras das pessoas, por um lado, e ao carácter impenetrável das suas acções, por outro, o gesto tem duas vantagens. Por um lado, só em certa medida pode ser imitado, e isto é tanto mais difícil quanto mais banal e habitual ele for. Em segundo lugar, tem, ao contrário das acções e realizações das pessoas, um começo e um fim determináveis. Esta característica de delimitação rigorosa de cada elemento de uma atitude, que no entanto surge como um todo, é um dos fenómenos dialécticos fundamentais do gesto.» (BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 40).


É para a exposição do gesto, e para a exposição ao gesto, que a orquestra se enterra e o palco se mantém elevado e se repensa, no contexto de uma época marcada pelo desenvolvimento da técnica. Por um lado, porque o gesto, na sua qualidade hermenêutica, e na sua função semiológica, ao contrário das palavras e ao invés, também, das acções, não engana: ele é difícil de imitar, segundo nos diz Walter Benjamin. Tanto mais difícil de imitar, e portanto de enganar, quanto mais banal e habitual, porque mais inconscientemente enraizado. O que significa que do ponto de vista da interpretação das relações sociais e da compreensão da situação épica, ele detém um valor semiológico particular que o distingue, quer das palavras, quer das acções: a) o da sua fiabilidade na delimitação das atitudes, na representação de estados de coisas – pois possui um sentido que se antecipa, na segurança das suas sugestões ou indicações e no incontrolável da sua inevitabilidade, quer à mentira (às contradições verbais), quer à incoerência das acções (à deriva do seu comportamento); b) o do carácter inconsciente que a sua banalidade, tanto quanto o seu hábito, traem – pois ele constrói-se e inscreve-se, pelo facto de ser gestus social, no termo de uma longa gestação e opera, nessa qualidade, como insuspeito delimitador das atitudes. Nesse sentido, o gesto denuncia o que as palavras encobrem e as acções esquivam. Eis o que nos diz Walter Benjamin:

«Daqui decorre uma consequência importante: quanto mais vezes interrompermos uma pessoa, melhor lhe reteremos os gestos que faz. É por isso que a interrupção da acção tem um papel de primeiro plano no teatro épico; é também essa a função formal dos «songs» brechtianos com os seus refrãos brutais e lancinantes. Sem nos adiantarmos sobre o difícil estudo da função do texto no teatro épico, podemos desde já dizer que, em certos casos, a sua principal função consiste em interromper a acção em vez de a ilustrar, ou de a fazer progredir; e não só interromper a acção de um companheiro, como a do próprio sujeito. O carácter retardador da interrupção e o seu carácter episódico global, fazem do teatro «gestual» um teatro épico.» (BENJAMIN, Walter, op.cit., p. 40).

Interromper a acção significa, por um lado, pôr a descoberto o que em cada sujeito existe de Lei e de socialmente inscrito e, por outro lado, significa atrasar ou diferir o desfecho da História, abrir o conjunto, fragmentar o Todo dessa sua Voz, tradicionalmente tida como prévia à possibilidade de um discernimento e de uma escolha racional, pôr em evidência o seu carácter lacunar, instaurar a excepção como antecipação espectral de outra coisa, apelando assim à transformação dos sujeitos e dos estados de coisas, das relações sociais e políticas, portanto, na sua historicidade (da «excepção», lembrar aqui o que o seu étimo significa: captação do exterior - ex-capere; cf. a propósito da excepção (em Marx, por exemplo), PEREIRA, José Paulo, O Exercício da Distância e o Limite do Limite, Lisboa, Vendaval, 2007, pp. 7-103). Roland Barthes dar-nos-ia, por sua vez, a seguinte descrição do «gesto» brechtiano, concebido na coincidência entre o recorte visual e o recorte ideal:

«A cena épica de Brecht, o plano eisensteiniano são quadros: são cenas postas (como se diz: a mesa está posta) que correspondem à unidade dramática de que Diderot deu a teoria: muito recortadas [...] elevando um sentido, mas manifestando a produção desse sentido, realizando a coincidência entre o recorte visual e o recorte ideal. [...] Brecht frisou bem que, no teatro épico (que actua em quadros sucessivos) toda a carga, significativa e divertida, incide sobre cada cena e não sobre o conjunto: ao nível da peça, não há desenvolvimento, não há amadurecimento, apenas um sentido ideal (para cada quadro) mas não um sentido final, simplesmente recortes de que cada um possui uma potência demonstrativa suficiente. [...] Em Brecht, é o gestus social que retoma a ideia do instante premente [o do quadro, do corte ou do limite que o circunscreve, portanto]. O que é um gestus social (a crítica reaccionária ironizou bastante a propósito desta noção brechtiana, uma das mais inteligentes e das mais claras que a reflexão dramatúrgica jamais produziu)? É um gesto, ou um conjunto de gestos (mas nunca uma gesticulação), onde se pode ler uma situação social completa. [...] Até onde se podem encontrar gestus sociais? Até muito longe: até na própria língua. Uma língua pode ser gestual, diz Brecht, quando indica certas atitudes que o homem que fala adopta em relação aos outros: [...]. A representação (já que é dela que se fala aqui) tem que contar fatalmente com o gestus social: desde que se «representa» (que se corta, que se define o quadro e que se desmembra o conjunto) é preciso decidir se o gesto é social ou não (se ele se refere a tal sociedade ou ao Homem).» (BARTHES, Roland, «Brecht, Diderot, Eisenstein», O Óbvio e o Obtuso, trad. de Isabel Pascoal, Lisboa, Edições 70, 1984, pp. 83-84).

Fica pois claro que o gesto brechtiano é uma unidade semiológica ou translinguística. O que seria preciso seria compreender e sublinhar melhor de que formas a «imagem dialéctica» se coadunaria, na margem daquela obscuridade profética que Walter Benjamin nela vê, (ver «Fragmentos 2 - Walter Benjamin e a teoria do «choque»» e também «Recapitulações - o quadro III: a recordação de cobertura», aqui no blogue), com o carácter «didáctico» do quadro brechtiano...