sexta-feira, 26 de março de 2010

«Elementos para uma semiologia pictural» 6: Texto de Louis Marin


«DENOTAÇÃO – CONOTAÇÃO
É para tentar, senão responder a esta questão, pelo menos torná-la mais precisa, que a distinção, trazida por Hjelmslev e desenvolvida por R. Barthes, da denotação e da conotação, parece de uma grande importância. Com efeito, se a imagem pictural – numa pintura representativa – é signo figurativo, isso significa que, para além da sua função de designação, ela possui uma função de expressão, ou melhor ainda, que o designante que essa imagem é constitui um conjunto complexo que é, em si mesmo, signo: o signo segundo Frege, exprime e designa e se a sua expressão não se reduz à sua designação, isso quer dizer que a relação de designação se torna o significante, o expressor do signo; longe de a designação ser o fim do signo pictural, em cujo caso teríamos razão em dizer com Pascal «que vaidade [vanité] a pintura atrair a admiração pela semelhança das coisas das quais não se admiram já os originais», longe de o esquema canónico da pintura ser esse esquema linear e tornado superficial, ideia-imagem-objecto, a distinção de Frege obriga-nos a desdobrá-lo na sua profundidade, na sua espessura e a perceber que a relação de designação ou referencial que definiu de uma ponta a outra a imagem pictural, deve integrar-se para se tornar signo figurativo e figura numa relação mais profunda de que ela não será senão um termo, ou de que ela não constituirá senão o plano da expressão, na terminologia de Hjelmslev – o significante. E está muito precisamente aí a definição que Hjelmslev e Barthes dão, da conotação e da semiologia conotativa:

O primeiro sistema constitui então o plano de denotação – é a relação de designação no caso da pintura «representativa» - e o segundo sistema extensivo ao primeiro, o plano da conotação. Dir-se-ia portanto que um sistema conotado é um sistema cujo plano de expressão é constituído ele próprio por um sistema de significação.

Para pegar num exemplo, o importante estudo que Hubert Damisch consagrou à nuvem, na pintura renascente e barroca, constitui uma notável análise de um sistema conotado no qual o plano de denotação reenvia tanto para o objecto natural «nuvem», quanto para o objecto simbólico, já codificado por uma mística hierofânica, enquanto que o plano de conotação revelará, segundo os pintores e as épocas, na estrutura expressiva da obra, significados diferentes, trazidos à luz com todo o rigor, pela aplicação sistemática da prova de comutação e pela constituição de séries paradigmáticas. Desenvolvendo teoricamente as análises de Damisch, poder-se-ia considerar o sistema pictural como articulação hierárquica de planos de conotação, o sistema de significação de um nível tornando-se no plano de expressão do sistema superior.
Também não é um acaso se a análise de Damisch faz aparecer a convergência da análise estrutural e da análise sociológica, se P. Bourdieu retomando a distinção de Panofsky entre o estudo pré-iconográfico, a iconografia e a iconologia, desemboca numa teoria sociológica do conhecimento adequado da obra na qual

Os diferentes níveis se articulam num sistema hierarquizado onde englobando-os se torna por seu turno englobado, o significado [tornado] por sua vez tornado significante.

A teoria do encaixe dos códigos de decifração ou introdução a uma teoria da ideologia se, como o faz notar R. Barthes, a forma dos significados de conotação é o conjunto de representações num momento determinado do mundo e da história. Longe de nós a ideia de confundir essas pesquisas, reduzindo-as, num ecletismo sem nuances, a um comum denominador semiológico. Mas o próprio de toda a teoria, e a teoria semiológica não escapa à regra, não é fornecer um jogo de conceitos suficientemente extensivos para integrar numa totalidade superior coerente, as pesquisas já efectuadas ou em curso, e suficientemente abarcadoras para ser, por seu turno, operatórias? É assim que poderão ser constituídos diversos códigos de deciframento hierarquizados que permitirão esperar uma compreensãosempre mais profunda da obra pictural. O código é, num sentido, um princípio de constituição das classes de signos figurativos, [para] que essas classes sejam organizadas segundo o estilo e segundo o sentido. Mas num outro sentido, é o próprio princípio de classificação por variações paradigmáticas que permite constituir o código. Esta circularidade metodológica não é um círculo lógico; ela corresponde a duas fases da pesquisa: a fase da pesquisa semiológica, pela qual a constituição das séries virtuais de signos figurativos permite chegar a um nível codificado; a fase da verificação do valor operatório do código autoriza a extensão diferencial da série paradigmática e conduz eventualmente a distinguir no código, subcódigos e na série subclasses. Como observa P. Bourdieu, não é este processo teórico que é de algum modo posto espontaneamente em andamento nas pesquisas de atribuição de obras picturais?

O código artístico como sistema de princípios de divisão possíveis em classes complementares do universo das representações oferecidas a uma sociedade dada a um momento dado do tempo tem o carácter de uma instituição social, escreve ele… cada época organiza o conjunto de representações artísticas segundo um sistema institucional de classificação que lhe é próprio… e os indivíduos dificilmente pensam outras diferenças que aquelas que o sistema de classificação disponível lhes permite pensar.

Ao que faz eco a nota de Damisch:

Para lá desses conjuntos organizados que são as obras, para lá dos estilos individuais eles próprios, parece-nos entrever então uma vida secreta dos estilos colectivos – ver sistemas figurativos – que aparecem como o lugar de encontro dos empreendimentos individuais.

Essas indicações teóricas são, tudo ponderado, uma especificação da noção de valor tal qual ela é definida por Saussure:

o que há de ideia ou de matéria fónica num signo importa menos que o que há, à sua volta, nos outros signos.
Um signo figurativo, uma figura tem um valor definido pela situação recíproca dos signos no sistema. Se, como R. Barthes indica no seu comentário, esta comparação dos signos se instaura no plano das reservas virtuais paradigmáticas ou dos campos associativos e se, como Saussure o nota a propósito das relações associativas, esses campos não têm uma ordem determinada, compreender-se-á então que o valor de um signo figurativo ou de uma figura possa modificar-se a cada leitura profunda, variar logo que varia a situação recíproca dos signos no sistema, e que o conceito de valor, que se encontra igualmente em Panofsky, seja um dos conceitos chave tanto para a elaboração dos códigos picturais como para a análise abarcadora das evoluções, das mudanças ou das mutações nos objectos.»

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