sábado, 20 de dezembro de 2008

Avulsos 6: o enquadramento do «enquadramento»




















Daniel Buren, Within and Beyond the Frame, 1973.

«[...] as pinturas de Buren, estendiam-se por quase 200 pés, começando num extremo da John Web Gallery em Nova Iorque e alegremente continuando para fora da [sua] janela para abrir o seu caminho através da rua, como tantas bandeiras exteriormente penduradas em parada, finalmente ligando-se ao edifício oposto [sublinhados meus]. O enquadramento referido no título da obra era obviamente o da galeria, um enquadramento que funciona para garantir certas coisas sobre os objectos que ela guarda no seu interior. Estas coisas - raridade, autenticidade, originalidade, e carácter único [and unique] - são parte do valor da obra implicitamente afirmado pelo espaço da galeria. Esses valores, que são parte do que separa a arte dos outros objectos na nossa cultura, objectos que nem são raros, nem originais, nem únicos, operam então para declarar a arte como sistema autónomo dentro da cultura. No entanto, o carácter único, e assim por diante são também valores aos quais a galeria liga um preço, num acto que apaga qualquer diferença fundamental entre o que ela tem para vender e a mercadoria em qualquer outro espaço comercial.

[...] Buren parece estar a perguntar ao espectador em que ponto [as suas pinturas penduradas] cessam de ser pinturas (objectos de raridade, originalidade, etc.) e começam a ser parte de um outro sistema de objetos: bandeiras, lençóis estendidos a secar, anúncios publicitários à exposição do artista, enfeites de carnaval. Ele sonda, portanto, a legitimidade do poder do sistema de conferir valor à obra (KRAUSS, Rosalind, «Post-Structuralism and Deconstruction», in FOSTER, Hal; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yves-Alain; BUCHLOH, Benjamin H., Art Since 1900: modernism, antimodernism and postmodernism, London, Thames & Hudson, 2004, p. 42; todos os sublinhados são nossos).


O que estava em causa, nas obras de Daniel Buren era já, portanto, na leitura de Rosalind Krauss, também a autonomia do sistema da arte, no movimento mais amplo do pós-estruturalismo em geral e, em particular, de uma desconstrução que assumia a tarefa de enquadrar os enquadramentos, ou os operadores de enquadramento que regulam o nosso «discurso», de remarcar os termos não-marcados, de expor os efeitos das forças que o atravessam e nele definem «as obras de arte» como tal (cf. Recapitulações - os quadros XII: o «pós-estruturalismo» e o enquadradmento do enquadramento, aqui no blogue).