Se olho para uma imagem como aquela que aqui aparece reproduzida, ao nível puramente «comunicativo» - lembremo-nos das reservas de Roland Barthes, quanto a este nível absolutamente «literal» do sentido e, no fim de contas, puramente utópico, visto que a simples nomeação é já uma forma de «conotação» pela linguagem - poder-se-ia descrevê-la assim: eis uma mulher e uma cidade ao fundo. Um corpo leve e elegante, juvenil e flexível, ágil e vigoroso... Vemo-lo de costas, e de uma posição em contra-picado que nos coloca a um nível bastante inferior, quase ao rés-do-chão do recinto sobre o qual ele salta. Salta a partir da nossa linha do horizonte e o recinto é então, para além de um espaço de recreio, uma espécie de podium que a consagra, o pedestal de um monumento ou de uma estátua que subitamente se movesse, o trampolim que a impelisse, no seu movimento de elevação, como uma emanação da cidade.
É a posição relativa do nosso olhar que dá relevo ao seu movimento e ao seu gesto. É um corpo que se abraça, que se recolhe e protege a si mesmo, numa espécie de gesto de auto-contenção feminil, a avaliar pela posição dos braços, cruzados sobre o peito que não vemos. Ao fundo está a cidade (poderíamos, de resto, imaginar que é a própria cidade que assim se chama: Yokohama), com os seus prédios altos e a roda gigante de um parque de diversões aparentemente deserto. Entre ela e a cidade há uma vedação tubular relativamente baixa. Uma fronteira ténue, portanto, a separar o espaço em que esta figura salta. Dir-se-ia que, operando uma partição visível dos espaços, ela dissocia a figura da cidade ao fundo, e coloca ao mesmo tempo o espectador no seu espaço.
Portanto, se ela se dissocia é, ao mesmo tempo, também na medida em que arrasta consigo e faz entrar, na foto, um espaço situado para cá do olhar da câmara, trazendo com ele um ser que lhe é exterior e que se torna, assim, na figura espectral e inaparente de um intruso, de cuja presença não sabemos senão que deve então condicionar os gestos dessa figura, que parece aqui não o poder ver: o seu «receptor» (palavra verdadeiramente detestável, porque afecta uma neutralidade de posição, uma transparência de sentido e uma passividade que ele «objectivamente» não tem), o seu espectador.
Por outro lado, na posição em que a vemos, mesmo sendo pequeno o salto, ela estaria já acima ou por sobre a vedação. Aberta à possibilidade de uma relação metafórica de identificação, pelo facto de estar nesse espaço em que o espectador se situa, ela funciona, no entanto, ainda em relação a ele, como que dissociada por uma espécie de metonímia, estabelecida pela posição de costas e pelo gesto do seu corpo: ela está de costas para o espectador e este mantém-se-lhe, portanto, alheio, invisível, oculto; ela está, além disso, aparentemente ocupada consigo mesma.
Vemo-la precisamente na posição do voyeur, que é a de um espaço recolhido e dissociado (na verdade, trata-se de um espaço em certo sentido vedado): o espaço que lhe dá mais garantias de privacidade e de invisibilidade, imune a qualquer repentina irrupção, interferência ou interpelação: o espaço de um eterno «por descobrir» que é aquele a partir do qual se projecta a sua fantasia. De tal modo que, a certa altura nos damos conta de que alguma reversão entre as figuras daquele (inaparente) que olha e daquele (aparente) que é olhado em parte se interseccionam. Porque da semi-obscuridade dessa sua discreção, inerente à sua posição, se não pode dissociar o processo de fetichização em que está fatalmente envolvido.
Ora, um pouco como num quadro de Magritte, em que no centro se vê um sujeito de costas para nós, que nos repete dentro do espaço imaginário da tela, esta figura feminina funciona, ao mesmo tempo, sob dois tipos de relação distintos, o metafórico e o metonímico: ela condensa, por um lado, sob a forma ideal da mulher, as figuras de todas as mulheres que a contemplem na nossa posição. Abrir-se-á, nisso, à possibilidade e à marca da sua relação voyeurística? O corpo feminino não se ignora enquanto lugar olhado do outro. E a sua relação com o corpo que ali aparentemente se liberta dessa sua posição de objecto, mantém, pelo menos, na sua relação consigo, a presença desse outro de quem se dissociada. Nisso, decerto, nada o diferencia do corpo masculino, embora, provavelmente - questão que aqui não poremos - em regimes de olhar diferentes.
Pois quem olha a imagem estaria, uma vez nela inserido, nela de costas para quem a ela olha. Ao mesmo tempo, no entanto, estando ela de costas para quem a vê (e para «si própria», portanto) desloca-se e dissocia-se - diferencia-se: é uma outra, de entre essas mulheres a cujo olhar o seu corpo inadvertidamente se oferece - um outro exemplo, um qualquer de entre os vários ali invisíveis, no espaço da cidade, e já não o modelo, de entre todas elas. Ora, esse duplo funcionamento, propriamente imaginário, interessa-nos aqui de sobremaneira. Porque a relação imaginária, que tanto constrói como destrói, segundo Philippe Lacoue-Labarthe, ela induz, projectiva e fantasticamente, o espectador à experiência de um espaço que nos seria então necessário observar melhor, nos jogos dos seus isomorfismos, na dinâmica das suas cumplicidades.
Por exemplo, na nossa figura feminina da foto, a orientação da sua impulsão tem sensivelmente a mesma inclinação dos prédios e a roda do seu vestido replica, igualmente, a roda gigante ao fundo, fazendo apenas variar o eixo que define o sentido da amplitude da sua disposição. O próprio salto, a inclinação da respectiva impulsão, em conjugação com as posições dos pés, um deles recolhido como que a preparar o impulso seguinte, no instantâneo que ele permite captar, comunica aqui o movimento que, sendo aquele que é próprio da roda do vestido, há-de ser também o da roda gigante ao fundo. Dois movimentos de circulação, um deles no sentido alto-baixo, que nos remete ao sentido de uma certa recursividade, e instala assim uma... maliciosa redundância com o slogan: «Feel it».
Vemo-la precisamente na posição do voyeur, que é a de um espaço recolhido e dissociado (na verdade, trata-se de um espaço em certo sentido vedado): o espaço que lhe dá mais garantias de privacidade e de invisibilidade, imune a qualquer repentina irrupção, interferência ou interpelação: o espaço de um eterno «por descobrir» que é aquele a partir do qual se projecta a sua fantasia. De tal modo que, a certa altura nos damos conta de que alguma reversão entre as figuras daquele (inaparente) que olha e daquele (aparente) que é olhado em parte se interseccionam. Porque da semi-obscuridade dessa sua discreção, inerente à sua posição, se não pode dissociar o processo de fetichização em que está fatalmente envolvido.
Ora, um pouco como num quadro de Magritte, em que no centro se vê um sujeito de costas para nós, que nos repete dentro do espaço imaginário da tela, esta figura feminina funciona, ao mesmo tempo, sob dois tipos de relação distintos, o metafórico e o metonímico: ela condensa, por um lado, sob a forma ideal da mulher, as figuras de todas as mulheres que a contemplem na nossa posição. Abrir-se-á, nisso, à possibilidade e à marca da sua relação voyeurística? O corpo feminino não se ignora enquanto lugar olhado do outro. E a sua relação com o corpo que ali aparentemente se liberta dessa sua posição de objecto, mantém, pelo menos, na sua relação consigo, a presença desse outro de quem se dissociada. Nisso, decerto, nada o diferencia do corpo masculino, embora, provavelmente - questão que aqui não poremos - em regimes de olhar diferentes.
Pois quem olha a imagem estaria, uma vez nela inserido, nela de costas para quem a ela olha. Ao mesmo tempo, no entanto, estando ela de costas para quem a vê (e para «si própria», portanto) desloca-se e dissocia-se - diferencia-se: é uma outra, de entre essas mulheres a cujo olhar o seu corpo inadvertidamente se oferece - um outro exemplo, um qualquer de entre os vários ali invisíveis, no espaço da cidade, e já não o modelo, de entre todas elas. Ora, esse duplo funcionamento, propriamente imaginário, interessa-nos aqui de sobremaneira. Porque a relação imaginária, que tanto constrói como destrói, segundo Philippe Lacoue-Labarthe, ela induz, projectiva e fantasticamente, o espectador à experiência de um espaço que nos seria então necessário observar melhor, nos jogos dos seus isomorfismos, na dinâmica das suas cumplicidades.
Por exemplo, na nossa figura feminina da foto, a orientação da sua impulsão tem sensivelmente a mesma inclinação dos prédios e a roda do seu vestido replica, igualmente, a roda gigante ao fundo, fazendo apenas variar o eixo que define o sentido da amplitude da sua disposição. O próprio salto, a inclinação da respectiva impulsão, em conjugação com as posições dos pés, um deles recolhido como que a preparar o impulso seguinte, no instantâneo que ele permite captar, comunica aqui o movimento que, sendo aquele que é próprio da roda do vestido, há-de ser também o da roda gigante ao fundo. Dois movimentos de circulação, um deles no sentido alto-baixo, que nos remete ao sentido de uma certa recursividade, e instala assim uma... maliciosa redundância com o slogan: «Feel it».
O salto parece-nos ganhar então um outro sentido. Porque passa a haver nele a possibilidade da inscrição do sentido suplementar de uma espécie de compulsão e de repetição. De «compulsão à repetição», para usar uma fórmula freudiana muito popular e consagrada mas, ao mesmo tempo, algo pleonástica, desde o momento que o que caracteriza a pulsão é precisamente a sua insistência, a sua compulsão de confronto, a compulsiva repetição do seu afrontamento das forças que ideológica, moral e socialmente a inibem ou tendem a considerá-la perigosa, para a economia relacional da sobrevivência. E assim se sublinharia ali a dimensão pulsional desse movimento. De repente, é como se aquele belo corpo ele mesmo transpusesse os limites do orgânico e se volvesse em máquina, peça da vasta e complexa engrenagem da cidade, no seu movimento imaginariamente recursivo, sugerido na imagem sobre ou na qual esse imperativo - «feel it» - aparece inscrito.
Um imperativo que agora se desprenderia dela, um pouco como aqueles signos dessa enigmática escrita ideográfica que ali lhe prolonga o vestido e ressoaria por todo o espaço da cidade. Ora, uma leitura destas parece-nos poder levantar o problema seguinte: suponhamos um inconsciente do sentido, em que este conjunto de nexos se inscreveria - agirá ele na recepção «feminina» deste anúncio? Se isso se verifica é, para ela, diriam alguns, apenas no plano de um inconsciente que, precisamente por isso, é afastado de qualquer possibilidade efectiva de funcionamento, na sua decisão de compra...
Pois a leitura feminina - eis «um argumento»: haveria outros... - deste anúncio associa a figura desse corpo à expressão da «leveza», da «liberdade», da experiência apercepção do seu próprio corpo, um corpo finalmente livre e disponível para si próprio, numa sociedade que o explora. Ela coloca a figura, que nele aparece no espaço dividido e isolado pela vedação, como dissociada e afastada, em relação ao espaço falicizado da cidade... Mas haveria sempre, nesta discussão e neste jogo de alternâncias, a necessidade de ter em conta, em «comunicação», um simbólico em que se definisse um código relativamente dominante (embora não necessariamente exclusivo, apesar de hierarquizado, o que também não significa absolutamente rígido, ou completamente destituído de jogo...).
E «um» sentido uno e relativamente nu, relativamente estável, por detrás da organização da imagem (ou daquilo a que Barthes chamava «a trucagem», «a pose», «os objectos», a «fotogenia», a «sintaxe», na produção das suas conotações), cujas condições e relações de produção seria também preciso analisar... E o discurso publicitário deve, uma vez que guiado por uma certa reserva disponível de conceitos ou estereótipos, cuja actualidade deve ser sensível nos media, ser refractário a qualquer espécie de «diferença» rebelde à presença plena, que não esteja já, portanto, relativamente consagrada...
Ora, quer-me parecer que neste caso, a imagem se presta a uma dupla leitura, «masculina» e «feminina», em que a identificação, ora se não faz, ora se faz, em que a relação, ora é de metonímia, ora de metáfora, e em que o prazer é de espécies muito diferentes segundo cada um desses regimes de leitura (entre a fruição do mais puro gozo e o prazer delicado da mais sofisticada arte de viver)... A relativa dominância de uma delas marcar-se-ia no diferente modo de funcionalização de alguns dos seus elementos, como investidos de um determinado valor semântico: um deles seria, por exemplo, a vedação... Note-se que o regime do «ora... ora...» ou o do «ou... ou...» é o da alternância. Ele mantém intacto o funcionamento do signo; não é, portanto, o do «terceiro sentido», ou «sentido obtuso» como Roland Barthes lhe chama. Sobre este último, veja-se, aqui no blogue, Recapitulações - o quadro IV: o sentido obtuso.
Sem comentários:
Enviar um comentário