(Pessoa, por Júlio Pomar)
Em memória de um amigo - de quem gostava como de um irmão (eu bastante mais novo que ele e, por isso, respeitosamente irreverente, nessa altura) - aqui volta o Álvaro de Campos que ambos lemos, (e tantas vezes dissemos, pela tarde, muitas vezes de cor: este era, para nós, «o soneto da barrica»). Não sei em que circunstâncias foste. Sei apenas que eras bom e me fazia bem aturar-te. Estejas onde estiveres (quanto a isto nunca se sabe, mesmo quando parece que sim), se estiveres para isso, escuta, uma vez mais:
Deuses, forças, almas de ciência ou fé,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.
Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Água do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer...
Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outra cousa te põe separado?
Deixa de ser novelo o que nos fica...
A que brincar? Ao amor?, à indif'rença?
Por mim, só me levanto da barrica.
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